terça-feira, 10 de julho de 2012

Never let me go, by Kazuo Ishiguro

Check it out...

Kathy H. vai-se lembrando de toda a sua história com Ruth, a sua melhor amiga, e Tommy, o amor da sua vida, anos após ter cuidado, primeiro, da amiga e, depois, do companheiro de tantos momentos. Agora que já morreram os dois e que a sua carreira de acompanhante de dadores está a chegar ao fim, parece avizinhar-se a altura em que, também ela, vai poder cumprir o propósito para o qual foram todos criados, ela e os seus dois amigos, tal como toda a gente em Hailsham e noutros lugares semelhantes, espalhados por todo o mundo: a doação dos seus órgãos vitais, feita em vida, para curar as doenças das pessoas normais.

Na Inglaterra, em 1996, a tecnologia já existia, tanto para permitir a clonagem - desde o sucesso com a ovelha Dolly em 1996 - como para a realização do transplante de órgãos com sucesso. É aqui que decorre a acção deste romance cheio de mistério e de humanidade. Vemos como em Hailsham tudo se passa como em qualquer outra escola, apesar do isolamento do exterior, da ausência de moral sexual e das mensagens subliminares que vão sendo passadas aos alunos de forma a que todos saibam o que os espera, sem que ninguém se aperceba bem disso.

O livro é um gradual levantar do véu, em que só no final percebemos bem o mundo em que vive Kathy, tal como ela própria. Porém, o que mais nos toca nesta obra são os sucessivos encontros e desencontros de Kathy H.: com o Tommy, namorado da sua melhor amiga e amigo desde sempre; com Ruth, de personalidade forte e impulsiva, egoísta, também, e impositiva; e, mesmo, consigo própria, perdida num mundo que não entende, tentando compreender o que há de errado, esforçando-se por interpretar o despertar da sua sexualidade e os seus sentimentos, cheia de uma ânsia que não entende e que acompanha ao som de uma música que ouve como expressão dessa ânsia.

A narrativa progressiva e incompleta de Ishiguro, pelos olhos de Kathy, que não se lembra de tudo e nem sempre conta as coisas sequencialmente, é o que dá a nota confessional, de diário, mesmo, ao romance. Com um estilo elaborado e sonhador, despretensioso mas cuidado, o autor faz lembrar um Faulkner mais terra-a-terra e menos elevado, embora o narrador nos conte as coisas num tom próximo que nos remete à Divina Comédia, de Dante, e ao Moby Dick, de Melville.

Aqui em português...

terça-feira, 26 de junho de 2012

The Illustrious House of Ramires, by Eça de Queirós

Out of the depths of the birth of the Portuguese nation, seen in the aftermath of the English Ultimatum of 1890 and in the scope of all the discussion concerning the causes for the decline of Peninsular Peoples, Eça de Queirós - at the end of his life, in a period when he had been writing several hagiographies - brings us the tale of the illustrious House of Ramires. The element of burlesque and the criticism surrounding the "Nobleman of the Tower", Gonçalo Mendes, named after Gonçalo Mendes "the Champion" da Maia, reveal an aristocracy in decadence just as the old tower of Ramires and Portugal: spineless and volatile, without faith and oportunistic, mediocre and, in a word, uncapable of great achievements.

However, it is exactly a great achievement that the noblemen ends up accomplishing, by outlining in the story he writes the web of greatness that is the essence of his House and, therefore, Portugal. In the bucolic setting of Vila-Clara, we witness the rebirth of Gonçalo Mendes Ramires, who finds his courage in an unwanted dispute and by pure luck, intended to be seen as the rebirth of Portugal itself.

The incisiveness and criticism of social figures are exquisitely sketched by Eça, filling the novel with charming characters: the pharmaceutic who plays fado and the mighty "Titó"; the most beautiful D.Ana Lucena, the misbehaving daughter of a butcher, who is married to the old and boring, but very wealthy, Sanches Lucena, representative of the Gouvernment in the region; the bully "Caça-Abraços" (he who hunts for hugs), rightfully punished; the submissive and poor wife of Cascas and the girl in the wagon - all of this in the midst of the simple gestures of aristocratic nobility, that come naturally to young Ramires.

The other side of the story, dark but with immense glory, is the novel that he writes: full of grand and most bloody gestures, romanticizing an age when Portugal was founded. It is, thus, as if it was a redemption of Portugal, in a time of disillusionment, presenting us with a country that is shy and rash, but capable of great achievements, contrary to the initial statement, elegantly disputed - as is stated by João Gouveia, who compares the figure of Gonçalo Mendes to that of Portugal itself.

I enjoyed the social tapestry and the subtle humour, the historical recriation and the literary style, but the implicit tendency towards a glorification of the past brings a wrong tone to an otherwise harmonious ensemble, as the voice of a tired Eça, devoid of his costumary corrosiveness.

Check out Scott G.F. Bailey's opinion...

Das profundezas de um Portugal antiquíssimo, visto no rescaldo do Ultimato Inglês e no âmbito das discussões sobre as causas de decadência dos Povos Peninsulares, Eça de Queirós - e um Eça que andava a escrever hagiografias e se encontrava em fim de vida - traz-nos a história da ilustre casa de Ramires. O burlesco e a crítica ao "Fidalgo da Torre", Gonçalo Mendes, como "o Lidador", revelam-nos uma aristocracia tão decaída quanto a velha torre dos Ramires e Portugal: sem fibra e volátil, sem crença e oportunista, medíocre e, enfim, incapaz de grandes feitos.

Porém, um grande feito o dito fidalgo acaba por fazer, ou ir fazendo, ao traçar na sua novela a trama de que é feita a grandeza da sua casa e, por conseguinte, de Portugal. No bucólico cenário de Vila-Clara, assistimos a um renascer de Gonçalo Mendes Ramires, que encontra a sua coragem num recontro indesejado e por pura sorte, que se pretende um renascer da própria pátria.

O retrato incisivo e crítico das figuras sociais, que tão bem esboça Eça, enche o romance de personagens impagáveis: do farmacêutico fadista ao possante "Titó"; a belíssima D.Ana Lucena, filha de talhante e prevaricadora, casada com o velho e enfadonho, mas riquíssimo, Sanches Lucena, dono do Círculo pelos Regeneradores; o matulão "Caça-Abraços", que leva o castigo justo; a submissa boçalidade da mulher do Cascas e da menina da carroça - tudo permeado de pequenos gestos de nobreza aristocrática que surgem naturalmente ao jovem Ramires.

O outro lado da história, negro mas cheio de glória, é a novela que este escreve: cheia de gestos grandiosos e sanguinários, romantizando uma época em que nasce Portugal. É, assim, como que uma redenção da pátria numa época de desilusão, apresentando-nos um Portugal tímido e irascível, mas capaz de grandes feitos, ao contrário do que é inicialmente dado a entender - como o diz o João Gouveia, que compara Gonçalo Mendes a Portugal.

Gostei da tapeçaria social e do humor subtil, da recriação histórica e do estilo literário, mas o saudosismo implícito soa-me mal, a um Eça cansado.

Em português aqui...

sexta-feira, 15 de junho de 2012

An Unofficial Rose, by Iris Murdoch

Ridiculous and tormented characters that misunderstand the world around them, awkward and, always, full of hopes and dreams. Around the death of Fanny Peronett, the world begins to change, purposes take shape and projects arise, some failing others succeeding - always the unforeseeable in life and the fortuitous absurdity of being here and wanting things to happen.

Everyone frets and hurries about, moved by their own desires, each according to his or her colours and patterns. Everyone but Ann, the unofficial rose, who remains still in the whirlwind, clumsy and shapeless, carried along by the others, in their course, but never gaining a definitive form. "She is not happy, it's not her thing", says Miranda.

Unofficial rose, finding her strength in her own role, in how things fit together to make up the story of each person's life. After all, what is life but being where one is, uncompromisingly? That and stopping once in a while to breathe deep and mutter the words: "I'm still here".

In the end, everyone accomplishes some sort of victory over non-existence: the starry-eyed grandfather and the chronically dissatisfied man (Hugh and Randall); the friend who wanted to be something more and the au pair, gaiety girl (Mildred e Linsay); the miserable nymphet and the confused teenager boy (Miranda and Penn); the vengeful poisonous writer (or was she heartbroken?) and the governess in love (Emma and Nancy). Only Ann stays, as she was, in the same lonely quietness, following her path, weaving the simple cloth of her days, giving up the love of Felix (who, quickly, moves on).

Everyone seems to be repeating the prayer from Fanny's funeral: "O, spare me a little, that I may recover my strength, before I go hence, and be no more seen..." Just like Fanny before her, Ann endures with a dignity that is almost immaculate and spiritual, because she remains a fix point in the universe.

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Personagens ridículas e atormentadas que percebem mal o mundo à sua volta, trapalhonas e, sempre, sonhadoras. À volta da morte da Fanny Peronett, o mundo começa a mover-se, há propósitos e projectos, uns gorados, outros que vingam - sempre com o imprevisível da vida e o fortuito, ridículo e absurdo que é isto de estar aqui e querer coisas.

Todos se agitam, movidos pelos seus desejos, cada qual de acordo com as suas cores e padrões, só Ann, a rosa bravia, permanece imóvel no turbilhão, desajeitada e sem forma, levada pelos outros, na sua torrente, mas nunca ganhando contornos. "Ela não é feliz, isso não é para ela", como diz Miranda.

Rosa bravia, encontrando forças no desempenhar do seu papel, na sequência de coisas que vão compondo a história que é a vida de cada um. Afinal de contas, o que é a vida senão estar onde se está, por inteiro? E parar de vez em quando para respirar e dizer baixinho: "ainda aqui estou".

No fim, todos obtêm uma qualquer vitória sobre o nada: desde o pinga-amor senil ao insatisfeito crónico (Hugh e Randall); da amiga que queria algo mais à au pair, gaiety girl (Mildred e Linsay); da ninfeta infeliz ao adolescente confuso (Miranda e Penn); da escritora venenosa despeitada (ou destroçada?) à empregada apaixonada (Emma e Nancy). Só Ann fica, tal como estava, na sua quietude miserável, continuando a seguir o seu fio, tecendo a trama linear dos seus dias, abdicando do amor de Felix (que rapidamente se recompõe).

Todos parecem dizer a oração do funeral de Fanny: "Dá-me um pouco de tréguas, para que possa recuperar as forças antes de partir daqui, e não mais existir..." Tal como Fanny antes dela, Ann persiste com uma dignidade quase imaculada e espiritual, por se tornar num ponto fixo do mundo.

Em português aqui...

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Woodcutters, by Thomas Bernhard

Thomas Bernhard sits on a comfortable chair at the heinous Auersbergers, trapped in an "artistic dinner", and caustically observes with a sharp eye the worst in Austrian society and himself. In a world where opportunism and vulgarity rule (within ourselves and in others), perhaps the right choice is to go live in the woods, as a woodcutter - just like the peevish and mediocre actor being honoured that night vents out in a brief moment of dignity.

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Thomas Bernhard senta-se numa poltrona confortável na sala de estar em casa dos odiosos Auersbergers, encurralado a participar num “jantar artístico”, e observa de forma caústica e acutilante o pior da sociedade austríaca e de si próprio. Num mundo onde o oportunismo e a boçalidade imperam (em nós e nos outros), talvez o ideal seja mesmo ir para a floresta viver como os lenhadores que dão nome ao livro (Woodcutters) - como o exasperado e medíocre actor homenageado desabafa num breve momento de dignidade.

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The Ghost Map, by Steven Johnson

In The Ghost Map, Steven Johnson tells the tale of the greatest cholera epidemic to strike London (1854). It is an account of how the scientific spirit managed to prevail over the improbable odds of large numbers of people living together in cities. As it turns out, hygiene was essential for clustering people into small neighbourhoods - as my great-great-grandfather José Júlio de Bettencourt Rodrigues noted in “Lisbon and cholera” (1884).

I particularly enjoyed the carefull description of the scientific investigation by Dr. John Snow of the origins of the epidemic, that lead to the ghost map of how the epidemic spread. Secondly, the depiction of Victorian London's economy of recycling waste products, with all the colourful names for different specialties is most lively, providing a surprising account of how a system for handling human waste of two-million people can rise out of the coordinated but unplanned efforts of individual people.

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Em The Ghost Map, Steven Johnson relata como, no meio das trevas da maior epidemia de cólera que atingiu Londres (1854), o espírito científico venceu o combate entre a possibilidade de vivermos juntos em cidades e as suas implicações. Parece que a higiene afinal era fundamental — como o disse o meu trisavô José Júlio de Bettencourt Rodrigues em “Lisboa e o cholera” (1884).

Gostei especialmente da descrição cuidadosa da investigação científica do Dr. John Snow sobre a origem da epidemia, levando à elaboração do "mapa dos fantasmas", que retrata a disseminação da epidemia. Em segundo lugar, o retrato da Inglaterra vitoriana com a sua economia de reciclagem de detritos, e todos os nomes associados e tão vívidos, proporciona um relato surpreendente de como um sistema de gestão dos detritos humanos de dois milhões de pessoas pode emergir dos esforços coordenados de vários indivíduos, sem haver qualquer planeamento

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